segunda-feira, 31 de maio de 2010

Entrevista com Superintendente do Ibama de Salvador

Esta entrevista realizada com Júlio Cesar de Sá da Rocha, Superintendente do Ibama, pelo site Ibahia no período em que o Ministério Público decidiu que o orgão seria responsável pela concessão do licenciamento ambiental ás obras de construção e reforma das barracas de praia na orla de Salvador.

iBahia - Quais os problemas com o projeto de revitalização da orla marítima de Salvador? Esses problemas vão além do impasse das barracas de praia?
Júlio Rocha – A questão básica no processo todo é que a Prefeitura não solicitou do licenciamento ambiental da atividade. Toda ou qualquer obra ou atividade potencialmente poluidora, utilizadora de recursos ambientais, tem que passar pela licença ambiental. E não houve isso, ou seja, isso é um grande problema do ponto de vista legal. O licenciamento é um procedimento que identifica os impactos negativos, a potencialidade das atividades. Através do licenciamento, o órgão e o poder público vão analisar previamente que impactos poderia ter essa atividade. O problema central é a ausência da licença ambiental. Por isso que o Ibama embargou e multou a Prefeitura.

iBahia – A Prefeitura não procurou em momento algum o Ibama?
Júlio – Não procurou em momento algum qualquer órgão ambiental. Inclusive, não acionou o seu mesmo (SMA – Superintendência de Meio Ambiente). As obras foram iniciadas sem nenhuma licença ambiental.

iBahia - O município tem essa autonomia?
Júlio – Nem o poder público, nem a iniciativa privada podem começar qualquer atividade que possa potencialmente utilizar recursos ou degradar o meio ambiente sem o licenciamento. Quanto mais o poder público, que tem o dever, o compromisso de respeitar a legislação ambiental.

iBahia – Então, as obras já começaram erradas?
Júlio – Sim.

iBahia – Qual teria sido o motivo da Prefeitura não ter buscado fazer esse licenciamento?
Júlio – Eu não gostaria de analisar quais foram os motivos. A situação concreta é a ausência de licença. Para o meio ambiente, pouco importa se houve interesse (frisa), negligência, imperícia ou imprudência. É uma questão de responsabilidade objetiva na área ambiental. Para mim, pouco importa qual foi o interesse da Prefeitura.

iBahia – As obras estão totalmente paralisadas ou apenas uma parte está embargada?
Júlio – Estão paralisadas, porque existe decisão judicial da matéria. Está na Justiça Federal. Nós, o Ibama, temos um embargo administrativo e existe também o embargo judicial. São dois embargos sobre o mesmo fato.

iBahia - Qual seria o modelo ideal para uma construção na orla, sem ferir o meio ambiente? Como seria essa barraca?
Júlio – O licenciamento ambiental vai indicar quais são as alternativas. O projeto tem que ser totalmente redefinido. Esse já é um posicionamento nosso (Ibama). Ou seja, não dá para fazer barraca de praia com fossa séptica, impedindo a visibilidade da praia, na areia ou na faixa de praia. Estas são algumas limitações legais. A barraca de praia ideal deve respeitar a legislação de patrimônio público, que esclarece que não pode ter barraca na areia da praia, que comprometa o mar - do ponto de vista da balneabilidade e da poluição -, ou com estruturas permanentes – de alvenaria e concreto. Isso deixa de ser barraca para ser restaurante na praia. Isso não pode acontecer. A Prefeitura vai ter que pensar com seus arquitetos alternativas legais de fazer a requalificação da praia de Salvador.

iBahia – Então, anteriormente já estava errado, porque já havia construções na areia.
Júlio – Mas estruturas transitórias, com madeira e palhoça. Não estruturas permanentes com tijolo, concreto armado, telhado. Muda a concepção.

iBahia
- Um dos argumentos do Ministério Público e Crea-Ba é de que as barracas ocupam área de União e que a praia é pública. Por que na orla de outras cidades existem grandes barracas de praia (ex. Aracaju)? Elas estão em desacordo com a legislação ambiental?
Júlio – As barracas de praia ocupam área da União, ou melhor, os chamados terrenos de Marinha. Mas nas orlas das outras cidades você tem barracas fora da praia. O problema de Salvador – diferente das outras cidades – existe um espaço muito pequeno de calçadão. É uma questão física. Se você for para qualquer cidade de orla, você tem as barracas fora da estrutura de praia.

iBahia – E o caso da orla de Aracaju?
Júlio – Aracaju tem uma grande distância entre a praia e o mar. A orla nova de Aracaju é um grande exemplo. Você tem 2 ou 3 quilômetros de distância entre a pista e o mar. É diferente de Salvador. Nós temos uma orla muito curta, muito pequena.

iBahia – Cada cidade tem sua faixa de praia definida?
Júlio – Cada cidade tem que elaborar o que a gente chama de “Projeto Orla”. O que precisa ser feito é redimensionar a orla diante de uma concepção. Existe um projeto federal para harmonizar a utilização das orlas nas capitais. É um projeto nacional do Ministério do Meio Ambiente.

iBahia – A redefinição dos limites da faixa de praia faz parte desse projeto?
Júlio – Exatamente. O que fazer, como fazer, onde fazer...Que não é só questão ambiental. São diversas outras questões que estão inseridas nesse projeto.

iBahia – Quando deve sair esse “Projeto Orla”?
Júlio – Tudo depende da Prefeitura de Salvador. Se você me perguntar quando as barracas voltam a funcionar, depende da Prefeitura de Salvador. Hoje, a total responsabilidade do paralisação das atividades e redefinição do projeto é da Prefeitura. Nós temos o maior interesse em resolver, em ver as barracas funcionando no verão. Mas antes tem que combinar muito...Principalmente o respeito à legislação.

iBahia - A última definição da faixa de praia foi feita em 1831?
Júlio – Sim. Diz respeito a uma linha imaginária que foi criada. É uma legislação do patrimônio da União. Por isso que o “Projeto Orla” combina áreas de interesse da União, diálogos com os estados e municípios.

iBahia – Diante dessa situação toda, há condições de voltar atrás, mesmo com boa parte das casas construídas?
Júlio – Quem vai voltar atrás? Não tem ninguém que volte atrás. Voltar atrás é ilegal. O Prefeito já disse em entrevista que assume os erros e volta atrás. Aliás, quem está assumindo isso é a Prefeitura. É um bom sinal.

iBahia – Mas, como representante do Ibama, você acredita que há como reparar o que já foi feito contra o meio ambiente?
Júlio – Acho que dá para reparar. Claro!

iBahia – O Ibama vai aceitar que algumas modificações sejam feitas a longo prazo?
Júlio – Não sai nada sem o Ministério Público estar junto conosco e a Justiça Federal. A gente só trabalha combinando com a Justiça Federal , Patrimônio da União e o Ministério Público Federal. Todos esses são nossos parceiros diretos.

iBahia – Explique o funcionamento ideal de uma barraca de praia, tratando-se, por exemplo, de banheiro?
Júlio – O banheiro tem que ter estação elevatória e ligar para o sistema de esgoto geral. Tudo tem que ser “combinadinho”, para não ter, inclusive, crise ambiental (risos). O ideal é ligar qualquer sistema sanitário a rede de esgotamento.

iBahia - A Justiça está analisando a lista de permissionários. Segundo o juiz Carlos Alberto Gomes da Silva, ele só vai dar uma posição com relação ao projeto de revitalização da orla depois de checar a lista. Qual a relevância dessa lista para o Ibama?
Júlio – O Ibama não tem o menor interesse na lista. Para o Ibama, pouco interessa que seja Prefeitura, barraqueiro ou empresário. Essa é uma análise legal para licitação, de acesso ao bem público. Isso é com o Patrimônio da União. Nós (Ibama) nos preocupamos só com a sustentabilidade ambiental dos empreendimentos, das atividades.

iBahia – Cite quais os principais problemas com relação às barracas que estão sendo construídas na orla de Salvador?
Júlio – Construções definitivas, a questão das fossas sépticas, limitação da visibilidade da praia, do mar. A praia é um bem público, segundo a lei 7661/88 – Lei do Gerenciamento Costeiro. O livre acesso é fundamental. Ou seja, existem problemas que surgem no mar que podem ser ocasionados por trasbordamento de fossas, podendo contaminar as pessoas. Nossa preocupação é ambiental, que envolve a dimensão estética e a qualidade de vida das pessoas que freqüentam as praias.

Fonte: Ibahia

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